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Mostrando postagens de maio, 2018

Felicidade Clandestina - Clarice Lispector

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Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”. Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações

Vovó Caiu Na Piscina - Carlos Drummond de Andrade

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Noite na casa da serra, a luz  apagou. Entra o garoto: – Pai, vó caiu na piscina. – Tudo bem, filho. O garoto insiste: – Escutou o que eu falei, pai? – Escutei, e daí? Tudo bem. – Cê não vai lá? – Não estou com vontade de cair na piscina. – Mas ela tá lá... – Eu sei, você já me contou. Agora deixe seu pai fumar um cigarrinho descansado. – Tá escuro, pai. – Assim até é melhor. Eu gosto de fumar no escuro. Daqui a pouco a luz volta. Se não voltar, dá no mesmo. Pede à sua mãe pra acender a vela na sala. Eu fico aqui mesmo, sossegado. – Pai... – Meu filho, vá dormir. É melhor você deitar logo. Amanhã cedinho a gente volta pro Rio, e você custa a acordar. Não quero atrasar a descida por sua causa. – Vó tá com uma vela. – Pois então? Tudo bem. Depois ela acende. – Já tá acesa. – Se está acesa, não tem problema. Quando ela sair da piscina, pega a vela e volta direitinho pra casa. Não vai errar o caminho, a distância é pequena, você sabe muito bem que

O Reizinho Mandão - Ruth Rocha

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https://pt.slideshare.net/stellasorg/o-reizinho-mando-ruth-rocha

A Gota com Sede - Antônio Torrado

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Era uma vez uma gota cheia de sede. Não faz sentido, mas acreditem que assim era. Esta gota de água queria matar a sede a alguém que tivesse muita sede. Desejo grande, desejo único que a arredondava mais e mais, e a enchia de fé como um coração palpitante. Mas não havia meio.  Cavalgando uma nuvem, correu o deserto, à cata de um viajante sequioso. Não encontrou nenhum. Depois, percorreu, por cima dos mares, as ondas revoltas dos oceanos. Talvez um náufrago de boca salgada precisasse dela e da sua ajuda doce. Assim que o visse, ela caía lá do alto e poisava nos lábios do náufrago como uma última bênção. Mas não encontrou nenhum. Queria ser útil. Não conseguia. Até que a nuvem em que vinha, de carregada que estava, não podendo mais, se desfez em chuva. Ela precipitou-se para a terra, no meio das outras. – Vou lavar as pedras da calçada – dizia uma. – Vou mergulhar até à raiz de uma planta e dar-lhe vida – dizia outra. – Vou acrescentar água a um ri

O Gato e a Raposa - Antônio Torrado

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O gato e a raposa não privavam, em trato de amizade, mas de uma vez que o acaso os juntou deram em considerar que não eram tão desparecidos um com o outro, como se julgavam. Ambos tinham cauda, embora a da raposa mais felpuda e mais calhada para gola de samarra, o que não era de bom tom lembrar à raposa… Ambos tinham o passo de bailarina em pontas. Ambos tinham olhos de farolim, para descortinar os recantos da noite. Ambos tinham artes de caça e vasto receituário de matreirices. Ambos sabiam, com vaidade, que valiam mais do que pesavam. Ambos tinham aos cães a mesma raiva. Foi, aliás, a propósito de cães que a raposa e o gato, um dia, em que passeavam a par pelo campo, tiveram a seguinte conversa: – Se uma matilha de cães nos perseguisse, o que é que tu farias? – perguntou a raposa ao gato. – Nem me fales nesses monstros, que fico com o pelo em pé – disse o gato. – Uma matilha? Bastava-me um cão só, para lhe fugir. – Pois sim, mas como te escapavas? – insistiu a r

A galinha dos Ovos de Ouro - Esopo (Ilustrado)

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Fonte:  http://nossabibliotequinha.blogspot.com.br/2013/08/a-galinha-dos-ovos-de-ouro.html