António Torrado (A Ferradura)

Ilustração: Cristina Malaquias
(da Seleção de Contos Infantis)

Era uma vez uma velha ferradura.

Um senhor encontrou-a, levantou-a do chão e meteu-a no bolso do sobretudo.

– É para dar sorte – disse o senhor de si para si, muito convencido do que dizia.

Quando chegou a casa e a mulher foi pendurar o sobretudo no cabide é que foram elas.

– Tens o sobretudo tão pesado, homem – intrigou-se ela.

O senhor explicou o porquê:

– É para dar sorte.

– Se dá sorte, não sei – respondeu a ela. – O que sei é que o peso da ferradura rompeu o bolso do sobretudo. Tirá-la de dentro do forro vai ser o cabo dos trabalhos.

O senhor, pacientemente, recuperou a ferradura do sobretudo, que foi para coser, e pendurou-a num prego atrás da porta.

– É para dar sorte.

No dia seguinte, ia ele a entrar em casa com a mulher, e a porta não se abriu. Porque seria, porque não seria…

Tiveram de entrar em casa, a muito custo, por uma janela.

A ferradura tinha caído e entalara-se em cunha na porta, impedindo-a de abrir-se.

– Estou a ver que a ferradura só dá trabalhos – comentou a mulher.

O senhor não ligou e foi meter a ferradura numa gaveta:

– É para dar sorte.

Passado tempo, a mulher veio mostrar-lhe umas camisas todas manchadas:

– Puseste a maldita da ferradura na gaveta, encheu-se de ferrugem e deu cabo destas camisas. As melhores que tinhas…

Então o senhor aborreceu-se. Estava desiludido com a ferradura que só o metera em trabalhos.

– Vou desfazer-me do raio da ferradura. Para dar sorte… – e atirou-a pela janela.

Por pouca sorte, a ferradura foi bater no capot de um automóvel que ia a passar. Pior seria se tivesse acertado em alguma cabeça. Mesmo assim amolgou o automóvel. Veio o automobilista pedir explicações:

– Quem é a besta que anda a atirar os sapatos para o meio da rua?

O senhor, que achara a ferradura, teve de pedir muitas desculpas e pagar uma indenização, para que o caso ficasse por ali. E para que a história acabasse aqui.

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